O ROUBO DA CAMIONETE
Geraldo Doni Júnior
De repente, ele entrou pela porta da cantina esbaforido, dizendo: “Roubaram a minha camionete, “puta que o pariu!
“Roubaram a minha camionete”. Levou as mãos à cabeça e passou a direita no cabelo recentemente tingido, ficou ali parado olhando pra gente como se estivesse sendo assaltado com aquelas duas mãos atrás da cabeça, segurando o pescoço. Depois, talvez percebendo que todos o olhavam naquela posição, passou a mão esquerda na ponta do nariz e puxou a calça para cima, ajustando o cinto. Sentou, colocando as duas mãos no bolso, não sem antes coçar o saco, costume impróprio, às vezes.
“Mas como?”, perguntou o Dudu.
Analisem a resposta da vítima. “Ela, a camionete, tá no Sítio Cercado, aquele bairro é uma cidade, não conheço nada lá!” Exclamação desconexa, pensei. Ele não tá bem! Ninguém entendeu absolutamente nada. Nem o Guto, que imediatamente havia se prontificado a ir com a vítima buscar a camionete furtada.
Foi um “bororô” um “disquemediz”, o Maurício não parava de balançar a cabeça jogando o cabelo pra trás.
Dei meu pitaco: “Como é que você sabe que ela tá lá no Sítio Cercado?”
O Psiquê impacientemente analisava o comportamento do “paciente” e coçava a barba. A vítima, novamente, parecia estar sendo assaltada, as duas mãos na cabeça, aflito, nervoso. Arrumou novamente a calça, coçou o saco e começou a contar, não sem antes deixar cair uma baba no copo do Maurício, que riu pra não chorar ou não brigar, sei lá...
“Pois é, cara, eu deixei a camionete, no “lava rápido do Chico”, ali na Alberto Folloni. Eu sempre deixo meus carros lá pra lavar, falava e ajeitava a calça de novo. Fui buscar a camionete e ela não tava lá e o dono, o Chico, não sabia onde ela tava, aliás, eu acho que sabia, mas disse que não sabia. Daí, o cara que trabalha lá me ligou, a cobrar, no meu celular, pra avisar que acabou o óleo diesel e agora a camionete não pega e ele ta lá no Sítio Cercado, numas `quebradas´”.
“Puta que o pariu, que sacanagem, meu”, exclamou o Psiquê seu tradicional bordão.
Edgar continuava afinando o violão, preocupadíssimo...
Jaime ou Raime, nosso amigo boliviano, mais brasileiro do que nunca, já “arquitetava” um plano para buscar a camioneta, em dois minutos elaborara um projeto no guardanapo. Depois se verificou que era inviável devido aos altos custos.
Dei mais um pitaco: “Se eu fosse você não iria lá, nem com o Guto, nem com ninguém, vamos é chamar a polícia no 190 e depois responsabilizamos o dono da birosca.” Dudu começou a rir, dizendo que se chamássemos a polícia pelo n.º 190 eles nos atenderiam no mês que vem. O que seguramente era verdade.
“Você sabe que o Sítio Cercado é barra pesada”, falei.
“Porra!, cara, claro que eu sei, mas eu não tenho medo não, vou lá buscar meu carro, levo um guincho e arrasto ela pra minha casa”. Arrumou as calças de novo e colocou as mãos cruzadas na cabeça esperando nossa resposta, baixou as mãos e coçou o saco de novo.
Tentei argumentar um pouco mais, mas não adiantou.
Edgar já tinha afinado o violão, a cerveja já tinha esquentado, a discussão continuava correndo solta. Todos entendiam que ele não deveria ir e a vítima arrumando a calça. Será que aquela calça cai?, pensei.
O Pedrinho arrumava os óculos que teimavam em escorregar do nariz.
“E então, Rafael?”, perguntei. “Decidiu? Esse cara cometeu um crime, merece pelo menos um susto.”
“Coitado”, disse ele, “decerto sabendo que eu tenho outros carros e pensou que a camionete não ia me fazer falta. Saiu com ela pra dar um girinho no bairro dele pra depois devolver. Coitado”. Parecia estar mais calmo.
“É”, falei. “Já imaginou se ele bate esse carro ou atropela alguém? Quem sabe... Uns assaltinhos com a camionete ou uns bagulhinhos embaixo do banco e daí você ta fodido”, respondi.
Edgar já cantava suas músicas da jovem guarda e pedia pro Carlão uma nova palheta, pois a dele tinha quebrado. Vejam que o artista demonstrava a faculdade de ser especialmente “sensível” aos elementos que, transmitidos ao público, são capazes de despertar emoções. Era a necessidade da pureza nos acordes. Diga-se de passagem que o Carlão naquele momento já articulava com o Marquito soluções para problemas sociais semelhantes à questão em pauta.
Rafael colocou as mãos atrás da cabeça, de pé, e permaneceu ali observando o pessoal começar a cantar liderados pelo Edgar. Chegou o Nelson Careca com o atabaque, o batuque pegou, Maurício cantou, Pedrinho cantou, eu cantei, o Guto cantou e o Rafael sumiu. Perguntei pro Mário, pro Denizar e pro Rogério Magrão. Ninguém viu. Até hoje não sabem se ele pagou a conta.
No dia seguinte eu soube que ele foi buscar a camionete no Sítio Cercado. Levou um guincho, perderam-se no trânsito, abasteceu e nem assim o carro funcionou. Finalmente, trouxe a “viatura” pra casa.
Hoje, sábado, uma semana depois do ocorrido, encontrei a vítima, puto da cara, com as mãos na cabeça. “Doni”, disse ele, “arrumando a calça, puxando-a para cima do umbigo”. “Sabe aquele lavador de carro, aquele, do caso da minha camionete?” “Sim”, respondi. “Ligou pra mim, em meu celular, a cobrar. Sabe o que ele queria? Acertar a conta da lavada da camionete. Pode?”
“Pode”, respondi. “Quanto foi que você pagou?”
E com essa pergunta caiu-se as calças!
ResponderExcluir