JOÃO PORTUGUÊS – A FIGURA
Fazia tempo que Curitiba não tinha um dia tão quente. Era início de setembro, fim de inverno, quase começo de primavera e a temperatura beirava os 30 graus. Temperatura quase insuportável para nós curitibanos.
Aliás, eu não consigo entender aquelas pessoas que dizem que adoram o calor e, no primeiro raio de sol um pouco mais quente, procuram uma sombra. Abanam-se e procuram um ventinho. Sentam de frente para o ventilador ou ligam o ar-condicionado até ficarem roucos e com os narizes secos, mas continuam dizendo ah, até que enfim, chegou o verão, embora a camisa molhada grudada no corpo.
E os leques, então, aquelas mulheres, unhas pintadas de vermelho, e unha vermelha é especial para leque, abane bastante que aparecem as unhas, com cuidado para não arrancar os cílios postiços. Para usar leque parece ser necessária uma técnica especial, não se pode apoiar o cotovelo sobre a mesa, perde o glamour. Não sei por que estou falando nisso!
Pois bem, foi num dia desses em que malucos dizem que adoram o calor, após ter dado uma corridinha no parque São Lourenço – venho tentando perder a barriga e parar de fumar –, com a língua de fora e suado feito uma toalha de vestiário de campo de pelada, que fui até a Cantina do português.
O João é uma figura folclórica no bairro do Juvevê, faz um bacalhau espetacular, mas adora assustar os fregueses jogando a bandeja de metal no chão.
Logo de cara fiquei sabendo que ele estava “naqueles dias”, já tinha jogado a bandeja no chão umas cinco vezes, fazendo aquele barulho de prato de fanfarra, que dava pra escutar lá na Assembléia Legislativa. Na terceira bandejada, um senhor já com certa idade que sentara com sua esposa à mesa localizada perto do banheiro, teve que socorrer a cara metade, posto que com o susto, proporcionado por arroubos do proprietário da cantina, vomitara na mesa.
Disseram que foi um auê, vários espirraram para fora, pois os banheiros ficaram cheios de gente vomitando (frise-se que lá tem dois banheiros e só, nem mijador tem).
Descobri que boa parte do meu pessoal é que nem eu, somos coniventes e cúmplices, todos companheiros. “Se vomitar nós acompanhamos”. Portanto, não nos peçam ajuda, só fazemos companhia.
A coisa foi tão feia que ninguém sabia o que acontecera com o casal, ninguém os viu sair. É claro que o português sumiu. De vergonha, é claro.
Imaginem o aroma no ar. Coitada da Karina, do Cêdois e do Jackson. Foi um tal de procurar álcool, creolina, Bom Ar, hortelã, canela, alho, cebola, sei lá mais o quê. Ainda bem que cheguei depois, mas que ainda tinha um cheirinho de azedo tinha.
Mas vamos ao que interessa. Concebam que, depois do ocorrido, os ânimos serenados, percebi que alguns ainda estavam pálidos, aliás, bastante pálidos, pensei que fosse porque gostassem do calor, mas não era.
Sentei-me à mesa de sempre, empurrei um prum lado, outro pro outro e me encaixei, tinha uns dez marmanjos na mesa, os de sempre, embora houvesse, também, umas dez mesas desocupadas, mas a desordem é essa mesma, todos amontoados naquela mesa, a penúltima, no fundo da cantina.
Mas e cadê o João Português? O Cêdois, funcionário elitizado da casa forneceu a informação sigilosa. Ele fugiu, está lá no Kiko, filho dele.
Não demorou muito e o João voltou, vestia uma camisa do Coritiba, time do seu coração, metade pra dentro da calça e metade para fora, uma calça jeans extremamente surrada e um tênis de camurça, adornado com pingentes prateados. Barriga protuberante, nariz adunco e o cabelo como sempre em desalinho.
João não bebia mais, porém, besteiras não conseguia parar de falar. É parte integrante do seu modus vivendi, não importa o tamanho delas e ele as larga.
Vejam vocês, não bastassem as bandejadas do dia e o terrível incômodo causado ao casal da mesa perto do banheiro (a tal cagada atrás da outra), outro casal, que acabara de almoçar, dirigia-se ao caixa e o João pergunta ao cônjuge varão (frise-se, era a segunda ou terceira vez que compareciam à cantina) na presença da varoa ou da virago como gostam de escrever os advogados: “Essa é a mulher que você ta comendo”?
Completamente desnorteado, ele perdeu o norte, ficou sem supedâneo. O varão dizia apenas: “É...é...é...”, olhando para a mulher, completamente embasbacado. A senhora que parecia de bem, ruborizada, olhou para o marido e perguntou: “Walter, você tem vindo aqui sozinho? Que liberdade você dá a pessoas que nem conhece... Precisamos conversar.”
João, cínico como sempre, aparteou, dizendo: “Porra! Cara, diga logo que essa é uma das tuas obrigações...”, carregou no sotaque. “Nem todo mundo come o que quer...Lamba os beiços...Porra!”
O balcão em segundos ficou livre, todos que ali estavam e também os que chegavam, arremeteram e o João Português disse que não entendeu nada. Ao que parece, voltou a beber.
O mais importante é que meus amigos retomaram a cor de tanto rir.
Não me lembro de ter visto o casal na Cantina outra vez.
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