A Política Jurídica e Kelsen
13/12/2010 às 00:00:00 - Atualizado em 12/12/2010 às 22:44:19
Geraldo Doni Júnior
Como já se disse, filosofar é procurar o sentido das coisas.
Porque existe o Direito?
Para que existe o Direito?
Qual o sentido da história do Direito?
Que é Direito?
Em que se funda ou se legitima o Direito?
A busca incessante gera os conceitos que serão aplicados pelo cientista e pelo político do direito. Afinal, só se lida com as normas dominando os conceitos.
Assim sendo, o tema exige uma comparação entre a política do direito e o pensamento Kelseniano, justificando a priori a busca de um conceito ou, pelo menos, uma tentativa, que de certa forma possa demonstrar a diferença e ao mesmo tempo comparar o pensamento de Kelsen com relação à Política Jurídica.
Kelsen, trata da ciência do direito e não da Política do Direito. Seu estudo In "Teoria Pura do Direito" visa o direito que é e não o direito que deve ser.
Kelsen ao escrever "A Teoria Pura do Direito", mirou um estudo exclusivo, voltado à criação de um método científico para o conhecimento jurídico(1). Nesta obra, Kelsen discute e propõe os princípios e métodos da teoria jurídica.
Busca Kelsen colocar o direito dentro de um estudo próprio, sem a miscelânea proposta à época por alguns juristas, mais especificamente do século XIX cujos debates metodológicos poderiam por em cheque a autonomia da ciência jurídica. Tanto que para alguns era fundamental a junção com outras ciências humanas e para outros a liberação da ciência jurídica deveria desembocar em critérios de livre valoração, não faltando os que recomendavam uma volta aos parâmetros do direito natural, como bem cita Tércio Sampaio Ferraz(2).
O princípio da pureza visa unicamente a norma. Dessa forma o direito para o operador deve ser encarado unicamente como norma e não como fato social, porque ele é o direito que é e não o direito que deve ser. Tanto que Kelsen foi acusado de reducionista, esquecendo das dimensões sociais e valorativas, de fazer do fenômeno jurídico uma mera forma normativa, despida de seus caracteres humanos, segundo Sampaio Ferraz(3).
Sua idéia era a de que uma ciência que se ocupasse com tudo poderia se perder em ilações estéreis. Assim sendo, seu pensamento, defendia a neutralidade científica aplicada à ciência jurídica. Defendia também a tripartição entre o jurídico, o moral e o político.
A noção de norma para Kelsen tem como premissa a distinção entre as categorias do ser e do dever ser, como bem cita Sampaio Ferraz(4) , que ele vai buscar no neokantismo de sua época. A consciência humana, diz ele, ou vê as coisas como elas são (a mesa é redonda) ou como elas devem ser (a mesa deve ser redonda). Normas, nesses termos, são prescrições do dever ser. Elas conferem ao comportamento humano um sentido prescritivo. Assim, levantar o braço numa assembléia pode Ter um sentido descritivo (fulano levantou o braço) ou um sentido prescritivo (levantar o braço deve ser entendido como voto a favor de uma proposta).
Enquanto prescrição, a norma é um comando, é o produto de um ato de vontade, que proíbe, obriga ou permite um comportamento...
Normas valem. Sua existência específica é a sua validade.
Neste passo, Kelsen torna a ciência jurídica pura de normas. Porque, entende ele, que cada norma vale não porque seja justa, mas porque estará sempre interligada a uma norma superior que culmina numa norma fundamental.
Disse Kelsen:
"Desde o começo foi meu intento elevar a jurisprudência, que - aberta ou veladamente - se esgotava quase por completo em raciocínios de política jurídica, à altura de uma genuína ciência, de uma ciência do espírito. Importava explicar, não as suas tendências endereçadas à formação do Direito, mas as suas tendências exclusivamente dirigidas ao conhecimento do Direito, e aproximar tanto quanto possível os seus resultados do ideal de toda a ciência: objetividade e exatidão". (Contracapa do livro "Teoria Pura do Direito")
POLÍTICA DO DIREITO
Já ao tratarmos da política do direito, temos uma visão mais abrangente de todo o universo jurídico, posto que seu objeto seja, através de uma série de atividades, elaborar um conjunto de estratégias na busca dos fins do direito (justiça, paz social, seguridade social etc). Enfim, buscando por meio de mudanças um direito melhor. Ou, melhor ainda:
"Política Jurídica é a disciplina que tem como objeto o Direito que deve ser e como deva ser, em oposição funcional à Dogmática Jurídica, que trata da interpretação e da aplicação do Direito que é, ou seja, do Direito vigente. 2. Diz-se do "com junto" de estratégias que visam a produção de conteúdo da norma, e sua adequação aos valores Justiça e Utilidade Social ou ainda... 3. Complexo de medidas que têm como objetivo a correção, derrogação ou proposição de normas jurídicas ou de mudanças de rumo na Jurisprudência dos Tribunais, tendo como referente a realização dos valores jurídicos..."(5)
A Política Jurídica deve corresponder aos valores do direito, quais sejam: uma melhor adequação aos princípios do direito, melhor dizendo, adequação das normas aos princípios gerais do direito.
Conforme anotações de aula proferida pelo ilustre professor Dr. Orlando Ferreira de Melo e neste sentido, só se muda o direito com atitude utópica. A utopia funciona para o Devir(6) - a mudança para o direito que deve ser - e quando se estuda a mudança, tratamos de política do direito, a busca do "EUSTOPO", que em grego significa lugar melhor - utopia.
A Política jurídica ao contrário da visão Kelseniana, parte de um postulado básico, e o pensamento do Professor Dr. Orlando Ferreira Melo(7), com o qual me coaduno é:
"... a norma jurídica, para ganhar um mínimo de adesão social que a faça voluntariamente obedecida, deve ser matizada pela idéia e sentimento do ético, do legítimo, do justo e do útil. Assim, a aceitação da norma irá depender menos de sua validade formal, que são meras observâncias técnicas, que da sua validade material, a qual, em nosso acordo semântico, é a qualidade da norma em mostrar-se compatível com o socialmente desejado e basicamente necessário à eticidade das relações humanas".
Vemos então, que o papel do político do direito, não pode apenas se restringir a uma representação corretiva da norma, mas sim, diferentemente do que pensa Kelsen e antes de tudo, prescritivo, trabalhando com a expectativa do futuro, tal qual um analista, que revisando o que está posto, busca novas idéias para aprimorá-lo de acordo com a visão que deve ter com relação à evolução social, sempre buscando aperfeiçoar o direito e as suas relações.
Entende, ainda, este ilustre mestre que à política de direito caberia, antes de tudo, intercomunicar os elementos que a constituem, compreendendo-se os âmbitos da Política e do Direito como espaços de permanentes e desejáveis influências recíprocas.
O Direito necessita da Política para continuamente renovar-se e a Política necessita do Direito para objetivar, em realidade, as reivindicações sociais legítimas, ou seja, propor um sistema de categorias, conceitos, princípios e normas capazes de assegurar não só as relações econômicas, mais justas, mas também o alcance de um ambiente social realmente ético e estimulador das práticas solidárias(8).
Notas:
(1) COELHO, Fábio Ulhoa, Para Entender Kelsen. 3.ª ed. Max Limonad, p.10.
(2) In Prólogo de Para Entender Kelsen, ob. citada, p.15
(3) Ob. citada
(4) Ob. Citada, p. 16
(5) MELO, Osvaldo Ferreira, Dicionário de Política Jurídica. Ob. citada, p. 77
(6) Aqui colocado na categoria de mudança ou deslocamento do que é e como está para alcance de um objetivo. Conforme o Prof. Dr. Orlando Ferreira Melo, In Dicionário de Política Jurídica, OAB/SC editora, p.30. Aplica-se, pois, tal significante ao significado teleológico da Política Jurídica, na mudança do direito que é para o direito que deve ser.
(7) MELO, Orlando Ferreira, Temas Atuais da Política do Direito, Sergio A.Fabris ed. p. 15.
(8) Ob. Cit. P. 14.
Geraldo Doni Júnior é mestre em Direito para gestão de empresas públicas e privadas, professor de direito civil, advogado.
postado no site www.paranaonline.com.br
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